terça-feira, 12 de abril de 2011

O Labirinto, por Luciana Gerbovic.

Três da manhã e os olhos de Celina ainda estavam abertos. Ao seu lado, uma respiração leve e compassada indicava que o marido dormia o sono que deveria ser dela, Celina. Olhou para ele, após dez anos na mesma cama, e teve gana de sufocá-lo com o travesseiro de penas de ganso. Ele não conseguia dormir sem esse animal morto envolto em algodão egípcio. Levantou e foi até a cozinha. Nada lhe apeteceu na geladeira. Esquentou um pouco de água no microondas, o suficiente para mergulhar um saquinho de chá de camomila vencido. Caminhou até a sala, não conseguiu sentar no sofá, ligou a TV em pé mesmo, “vamos conversar sobre o assunto com o professor de economia da PUC de São Paulo”, abriu um livro, “toda noite, faz uma semana, meu vizinho de quarto vem lutar comigo”. Antes que arremessasse a xícara contra a parede, foi para o banheiro. Queria vomitar, tirar do estômago os insetos que a infestavam. “Dez vezes trezentos e sessenta e cinco, dez vezes trezentos e sessenta e cinco”. Escreveu o resultado com batom no espelho, apagando-o em seguida com as mãos pálidas suadas. Sentou no chão úmido, machucou os calcanhares de tanto chutar os azulejos, as mãos pálidas suadas e sujas de batom tentavam arrancar seus cabelos. Sentiu dor. Voltou para o quarto segurando as lágrimas dentro dos olhos. O marido estava na mesma posição. “Três mil seiscentos e cinqüenta dias vezes vinte e quatro horas, três mil seiscentos e cinqüenta vezes vinte e quatro, três mil seiscentos e cin...”. Voltou para a cozinha, tomou um copo de água gelada, acendeu a luz, apagou, acendeu de novo, olhou pro relógio, quase cinco horas. Da janela da sala viu um vizinho saindo para a ginástica, arrancou as cutículas das unhas dos pés sentada sobre o tapete que trouxe da casa da mãe quando casou. A luz do dia começou a invadir o apartamento. Foi para o banheiro, ignorou o espelho e entrou debaixo do chuveiro. Mais uma hora e já poderia sair para o trabalho.

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